Quase tropeçou na pedra que se soltava na calçada, mas foi ágil o suficiente para perceber a fenda no chão que se anunciava. Ajeitou os cabelos claros e curtos e olhou para frente. O sol chegava na beirada das quatro da tarde quando Vera olhou seu relógio de pulso vermelho.
Não, solidão, hoje não quero me retocar
Vera imediatamente percebeu que se tratava de sua vida. Afinal, quem mais poderia conversar com ela que não a solidão?
Nesse salão de tristeza onde as outras penteiam mágoas
A rua, à sua frente, repleta de mágoas em seus carros.
Deixo que as águas invadam meu rosto
Vera percebeu que faltava muito tempo pra chegar ao apartamento do tio Henrique. Sair no ponto errado de ônibus custaria uma bolha em seu pequeno pé.
Gosto de me ver chorar
Não, decididamente não gostava de se ver chorando. Será? Repassou em alguns passos a briga com a vó durona, Zélia. Obrigada a devolver a caneta na papelaria, chorara apenas em casa. Sozinha, para si mesma. Realmente, nunca chorara para outra pessoa.
Finjo que estão me vendo
Ninguém a perceberia ali, comum, andando pela calçada.
Eu preciso me mostrar bonita
Vera talvez precisasse estar bonita. O almoço em família lhe exigiria beleza.
Pra que os olhos do meu bem não olhem mais ninguém
Não tinha mais domínio nem sobre seus passos trôpegos pela calçada, que dirá dos olhos de seu bem.
Quando eu me revelar da forma mais bonita
Vera sentiu um baque atingir seu peito com força. Vinha de dentro, mas era concreto, físico. Qual seria sua forma mais bonita?
Pra saber como levar todos os desejos que ele tem
Estava atrasada. Será que o primo Fernando estaria no almoço? O calor embaçou a vista de Vera.
Ao me ver passar bonita
A moça passou por debaixo dos galhos de uma árvore e avistou o prédio, finalmente.
Hoje eu arrasei na casa de espelhos
Aproximou-se da portaria, ciente de que em poucos instantes estaria fadada ao tédio.
Espalho os meus rostos e finjo que finjo que finjo
Qual das Veras tiraria do bolso para apresentar a todos? Companhia invisível? A intragável? Ácida inapropriada?
Que não sei
Vera entrou no prédio, rumo ao seu entrosamento com parentes desconhecidos, sem saber ao certo se deveria mesmo perder mais um dia de sua vida. Respirou fundo e desligou seu rádio portátil.
sexta-feira, 3 de julho de 2009
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