quarta-feira, 24 de junho de 2009

Amor e desperdício

O carro, parado há mais de dois minutos, meditava junto com Zé. Sem música, sem pensamentos importantes. O vidro meio sujo era o campo de visão do olhar perdido do motorista de cabelos desgrenhados. Uma folha seca planou do lado de fora e se movimentou bruscamente em direção ao vidro da frente, como que manipulada invisivelmente. Só assim Zé percebeu o verde já morto caindo de leve, em direção ao seu carro. Cada vez mais devagar, até que pousou pequena no capô. Buzinas. O sinal estava aberto, e Zé engarrafava a rua. Piscou sério sem o menor constrangimento, ciente de que não havia sido um tempo desperdiçado. O retrovisor, no entanto, denunciou seu olhar assustado com a lembrança que o assaltava como um relâmpago.

Sua boca pressionou a de Vera. Esteve em uma realidade paralela por segundos arrastados, e pensou que jamais sairia dali. Tentou agarrar-se aos braços da magrela garota que o envolvia, mas percebeu que conforme sua excitação aumentava, o tempo se esgotava. Estavam de pé, e agora uma multidão de pessoas empurrava o mais novo casal. Estavam atrapalhando a saída do teatro. Zé piscou sem constrangimento e observou o palco, já vazio. Folhas secas serviam de tapete para duas cadeiras vazias que se encaravam sérias à meia-luz. Zé olhou de volta para o seu lado. Vera não estava mais lá.

4 comentários:

  1. Olá,gosto muito do seu estilo,cortante e sem firulas.Excelente!Parabéns.
    Um abraço.

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  2. O ritmo está cada vez melhor. Segue em frente na batalha!

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  3. Roseana Aben-Athar Kipman30 de junho de 2009 às 05:37

    Suas palavras são envolventes e prendem a atenção. Onde se encaixam? Gosto muito do texto.

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